segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018


NÃO HAVERÁ EMAIL DE MADRUGADA
Rapazes, eu tenho um talento secreto. Sou ótima pra escrever e-mails
românticos de madrugada. Somente um seleto grupo de cavalheiros tem
acesso a essa biblioteca privada. Mas eu estou aqui pra anunciar que o clube
fechou. Deixem em branco os formulários. Cancelem os boletos bancários.
Rasguem as carteirinhas. O clube fechou por razões sanitárias e de insanidade.
Parei.

Parei de despejar meu coração como leite morno digital. Minha doçura era puro
aspartame. Me dava taquicardia e atormentava os pensamentos, me levando a
construir frases insanas como: “Não deu certo, mas tudo bem. Vamos tentar na
próxima vida.” Mentira. Não tá tudo bem. Você foi péssimo. Por favor, não me
procura na próxima vida. Eu te amei de verdade, mas sério: fica longe de mim.

Parei de planejar minhas palavras como quem arquiteta uma armadilha. Sei
escrever o que vocês querem ouvir. Finjo como uma poetisa de verdade,
acreditando piamente em cada palavra. Sou ótima pra seguir direções, e vocês
as espalham da mesma forma que largam meias sujas pelo chão. “Não consigo
dormir, fico pensando em você." E quando eu te tenho manso e feliz dentro da
minha gaiola, eu abro a portinha e te deixo sem teto.

Parei de escrever como uma terrorista. Sequestrar atenção com bombas de
sinceridade. Liberar elogios como se fossem reféns. Exigir pelo megafone um
amor incondicional e um helicóptero (porque todo sequestrador que se preze
quer um helicóptero). E quando a fuga falha, eu confo sem tortura, todo meu
amor. Só não consigo dizer o que eu não gosto. Me contorço a cada
eletrochoque, tentando a última barganha: eu faço você se sentir bem consigo
mesmo e você gosta mais de mim.
Ainda bem que nem sempre funciona. Ou agora eu poderia estar no meu barco
de salvação preferido: o relacionamento sério. O clube fechou. Não haverá mais
e-mail de madrugada.

Não haverá revelação. Não haverá confissão. Não haverá
poema de aspartame.
Não é que eu não esteja escrevendo. Listo tudo que eu gosto em um. Dou
replay nos movimentos do outro. Re-significo todas as coisas que me falaram.
Na minha cabeça, vocês são fascinantes, vocês deviam ver. Mas agora, escrevo
tudo isso pra mim. Porque eu não sei outra maneira de entender as partes
obscuras da vida. E o que há de mais obscuro no mundo que o coração de um
homem?

Eu adorava escrever carta. Era só um pedaço de papel mas me embrulhava
pra presente. Me desdobrava como um mapa. Doava todos os meus pertences,
como num testamento. Mas parei. Porque eu não sou um presente, eu não posso me dar. Eu não sou uma guia, eu não posso te levar num passeio turístico pela minha alma. E o testamento, veja bem, eu não morri
ainda. Estou viva e sou uma escritora. Não uma terapeuta.

Então a partir de agora, minha escrita é pelo ofício da escrita. Não pra fazer
homens inseguros, confusos e indisponíveis se sentirem melhores sobre si
mesmos. Parei de trair a minha escrita com vocês. E se os colegas não
conseguem me entender por conta própria, simplesmente significa que nenhum
de vocês é o cara. O cara que um dia vai olhar pra esse emaranhado amorfo e
confuso que eu chamo de coração e dizer, sem pestanejar: é você.

Não haverá atalho. Não haverá fermento. Não haverá carta coringa. Não haverá leite morno pra disfarçar meu gosto amargo, seja corajoso. Parei de me traduzir, seja autodidata. Parei de pregar os benefícios do meu afeto, tenha um pouco de fé. Parei de explicar que eu sou uma boa pessoa. Olha nos meus olhos e você vai saber. Sério, tá
bem aqui.
Parei de tentar me provar.
Prove-se você pra mim.

(Andrea Yagui)

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