quarta-feira, 12 de setembro de 2018

hoje eu descobri que você se apaixonou por outra pessoa.
não tive vontade de chorar, de gritar pela sua volta ou suplicar encarecidamente pra que se lembrasse de tudo o que vivemos juntos.
não tive vontade de voltar ao tempo em que tua existência ainda se entremeava a minha em meio a um desabafo em que se parecia compreender e sentir como um só,
ou da conexão singular que se formava com os nossos rostos próximos, dedos que perpassavam os traços e a tentativa de guardar o cheiro do outro pra sempre.
todo esse tempo eu achei que ainda amava você. e, de fato, acho que ainda amo. e sempre vou amar. porque você me fez bem de uma forma que torna inviável te olhar com qualquer outra perspectiva que não seja uma repleta de carinho e gratidão.
mas eu não sou mais apaixonada por você.
acho que, talvez, ainda seja pelas memórias que construímos juntos. porque você saiu da minha vida de forma tão abrupta e fez tudo parecer tão fácil, tão simples, tão indolor
você pareceu estar tão indiferente, tão feliz
e eu senti que o nosso amor tinha sido grande demais para ser esquecido daquela forma. guardei você e todos os nossos momentos juntos em um pedaço meu, e só meu. porque não aceitava que nossa história fosse só mais uma perdida entre tantas outras, sendo que sentimos de forma tão intensa e única. eu, pelo menos, senti.
eu admito: não te conheço mais. não sei por quais mudanças sua personalidade, manias, gostos e medos passaram desde o nosso adeus. eu não sei mais quem você é, não sei se as coisas que fizeram com que eu me apaixonasse por ti ainda se mantém. e eu demorei muito a entender, mas percebi que não preciso me agarrar a todos os nossos momentos como se fossem a minha salvação. porque o ato de eu existir, por si só, e continuar com o desejo de me entregar a tudo e todos com a maior força e intensidade que sou capaz me mostram que eu, todos os dias, pouco a pouco, me salvo de mim mesma.
assim,
te deixo ir porque, mesmo que involuntariamente, você me ensinou que esse é o maior ato de amor que podemos demonstrar por alguém, às vezes.
então, da maneira que posso, mesmo de longe, mesmo que minimamente, e mesmo que não de uma forma romântica,
eu vou te amar todos os dias
porque você me ensinou o que é amor
e o nosso foi tão incrível que,
mesmo com a sua partida,
amar você é a única coisa que ainda sei fazer.
(Isadora Klauck)
 
O tempo errou com o nosso amor. A distância também. A nossa história seria única se não tivéssemos chegado tão tarde na vida um do outro. Você sabe que as nossas frases se completam, você sabe que os nossos sonhos se cruzam na mesma esquina, você sabe que nossos corpos foram feitos sob medida para caber o amor que tínhamos para oferecer. Somos uma história que terminaria com um final feliz. Só nos faltou a oportunidade de escrever a primeira página.
Instagram: @ressacaimoral 
Neto Alves


Só quem vive bem os agostos é merecedor da primavera!

 

Lembro-me bem.

Foi quando julho se foi, que um vento mais gelado, mais destemperado, que arrastava ainda folhas deixadas pelo outono, me disse algumas verdades. Convenceu-me de que o céu começaria a apresentar metamorfoses avermelhadas. Que a poeira levantada por ele daria lições de que as coisas nem sempre ficam no mesmo lugar e que é preciso aceitar que a poeira só assenta depois que os redemoinhos se vão.

Foi quando julho se foi que a minha solidão me convidou para uma conversa. E me contou de tempo de esperas. E me disse que o barulho das árvores tinha algo a dizer sobre aceitação. E eu fiquei pensando como elas, as árvores, aceitam as estações que, se as estremecem, também lhes florescem os galhos. Mas tudo a seu tempo.

Foi em agosto que descobri que os cachorros loucos são, na verdade, os uivos que não lançamos ao vento. São nossos estremecimentos particulares que a nossa rigidez de certezas não nos permite encarar.

O mês de agosto tem muito a ensinar. Porque agosto é mês jardineiro, é dentro dele, berço do inverno, que as sementes dormem. Aguardam seu tempo de brotar. Agosto é guardador da boa-nova, preparador de flores. Agosto é quando Deus deixa a natureza traduzir visivelmente o tempo das mutações.

Mude, diz agosto, em seu recado de sementes.

Aceite, diz agosto, com seu jeito frio de vento que levanta poeira e a faz avermelhar o céu.

Compartilhe, diz agosto. Agasalhos, sopas quentinhas, cafés com chocolate, abraços mais apertados – eles também aquecem a alma e aninham o corpo.

Distribua mais afetos, que inverno é acolhimento, é tempo de preparar setembro.

E, de setembro, todos sabemos o que esperar.

Esperamos a arrebentação das cores, que com seus mais variados nomes vêm em forma de flores.

Vamos apreciar agosto, recebê-lo com o espanto feliz de quem não desafia ventos. Que ele desarrume e espalhe suas folhas e levante suas poeiras.

 

Aceite as esperas, mas coloque floreiras na janela.
Só quem vive bem os agostos é merecedor da primavera!

 

Miryan Lucy de Rezende
Escritora e Educadora Infantil

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Diz uma parábola judaica que certo dia a mentira e a verdade se encontraram.
A mentira disse para a verdade: 
- Bom dia, dona Verdade.
E a verdade foi conferir se realmente era um bom dia. Olhou para o alto, não viu nuvens de chuva, vários pássaros cantavam e vendo que realmente era um bom dia, respondeu para a mentira:
- Bom dia, dona mentira. 
- Está muito calor hoje, disse a mentira.
E a verdade vendo que a mentira falava a verdade, relaxou. 
A mentira então convidou a verdade para se banhar no rio. Despiu-se de suas vestes, pulou na água e disse:
-Venha dona Verdade, a água está uma delícia. 
E assim que a verdade sem duvidar da mentira tirou suas vestes e mergulhou, a mentira saiu da água e vestiu-se com as roupas da verdade e foi embora.
A verdade por sua vez recusou-se a vestir-se com as vestes da mentira e por não ter do que se envergonhar, saiu nua a caminhar na rua. 
E aos olhos de outras pessoas era mais fácil aceitar a mentira vestida de verdade, do que a verdade nua e crua."
VOAR

Passamos uma vida presos 
Qual pássaros em suas gaiolas! 
Medo de amar! 
Medo de olhar a vida de frente! 
E naquele pequeno espaço, 
Cantamos nossas dores e sonhos! 
Muitas vezes se abrem 
As portas de nossas gaiolas 
Mas permanecemos ali 
Acostumados... 
Encolhidos... 
Nas nossas vontades e sonhos! 
Não tenhamos dúvidas! 
À primeira oportunidade 
Devemos alçar 
O vôo dos falcões! 
Calmo 
Confiante 
Determinado 
Amar sem medo! 
Brincar um pouco com a vida! 
Não ter medo dos rochedos! 
E sobre eles 
Estender nossas asas 
Corajosas de falcões! 
E sair em busca 
De nossos sonhos! 
Como o Condor... 
Tentar enxergar 
As pequeninas coisas à nossa volta 
E saber apreciá-las! 
Dando um sentido novo 
À nossa vida! 
Não sermos como pássaros de gaiolas, 
Mas, Falcões e Condores do céu! 
A cada dia existe 
Uma renovação constante 
E nunca um dia 
Será como o outro... 
Não há dores eternas! 
Não há lágrimas eternas! 
Não há perdas eternas! 
Há sorrisos esperando-nos... 
Dias de sol 
O abraço dos amigos, dos filhos. 
E tantos sonhos lindos! 
Um amor nos espera 
Para voar... voar... voar... 
Porque a vida 
É um recomeçar diário 
De um vôo! 
E gaiolas 
não foram feitas 
Para pássaros 
Tampouco para Falcões!




Os Sequilhos Com Goiabada                                           (ou “O Problema é Comigo”)



“Criei o costume de toda semana comprar sequilho com goiabada na padaria perto daqui de casa. Comê-lo bebendo um café sem açúcar tornou-se, sem exagero, um dos momentos mais deliciosos da semana (tirando o dia da coxinha com café). Mas a goiabada me incomodava. Não necessariamente ela, mas sua pouca quantidade. Era um pingo no meio do sequilho. 
Reclamei na padaria, chamei o padeiro de casquinha e tudo mais. 
Outro dia, voltando do estágio, passei pela padaria e, pra minha sorte, disseram que havia um sequilho especial pra mim. Lá estava, o meu sonho num sequilho de um real. Quase que completamente coberto de goiabada. 
Chegando em casa, preparado o café e toda a ritualística necessária para consumir o apetecível sequilho, ocorreu que não comi nem a metade. Enjoei na segunda mordida. Doce demais, chegava a dar náuseas. 
Dia seguinte, cheguei na padaria e lá estava: outro sequilho coberto de goiabada. Me ofereceram e, por vergonha de dizer que odiei o do dia anterior, comprei. Em casa, raspei a goiabada e comi. 
O problema, o inferno, não era a goiabada nem o padeiro, era eu. Fui eu quem, amando o que amava, queria do meu jeito, sem entender que eu gostava era do jeito que era, porque se do meu jeito fosse, eu rejeitaria, enjoaria e até tentaria fazê-lo voltar a ser como era. 
Assim fazemos com as pessoas também. No início as amamos como são, depois que estão conosco começamos a criticar, tentamos mudá-las, tentamos “colocar do nosso jeito”, sem saber que nosso jeito são nossas projeções, pessoas que não existem, e que se existissem, enjoaríamos delas. 
Transformamos para descartar, porque quando aquela pessoa muda, muito provavelmente quem gostávamos não está mais lá. 
Essa semana voltei a padaria, pedi o sequilho sem goiabada e mandei avisar ao padeiro que o próximo texto quem escreve é ele, provavelmente virá algo de bom, ainda que não seja doce.
Abençoados sejam meus amigos cada qual a sua maneira e o seu jeito de ser.”

Jonathan Araújo
eu sempre fui a estranha no ninho
a menina que fazia esforço pra se encaixar, mas no fundo não tinha a menor vontade de se esforçar tanto
por lutas que não eram suas
depois de muitos anos
me afastei muito de tudo e de todos porque precisava respirar
deixei de tentar encontrar em outros uma salvação
e passei a investir tudo que tenho no meu tratamento
pra que, dessa vez, o meu próprio corpo
e a minha própria alma
se tornassem todo o conforto de que preciso.
assim, a minha moradia tornou-se o meu interior
às almas dos outros
agora faço apenas visitas rápidas.

(TCD)